Elizabeth

Elizabeth tinha os pés de bailarina. Eram pés alvos, cobertos de hematomas e unhas disformes. Não eram feios como deveriam ser, eram seus.
Morava no mesmo bloco de apartamentos há  vários anos, olhava as pilastras e pensava com seus botões que às vezes pareciam ter sido numeradas por macacos. Enquanto caminhava, um pequeno ser chamou sua atenção: era uma planta vistosa de uma espécie que ela desconhecia... Sabia bem quem a plantara ali.

No bloco sete, havia um homem cujo nome ela nunca soube, ele fazia parte de um passado remoto que não deveria mais existir... Exceto por esta planta.
Todas as vezes que ela, ainda menina, esbarrava na sombra do homem pelos blocos de concreto, ele exalava conhaque. O arrepio vinha na hora que os olhos fundos e vivos se encontravam com os seus, eram olhos taciturnos que expressavam uma percepção curiosamente aguçada.

Era uma tarde quente, como a do dia em que Elizabeth, aos cinco anos, voltava das aulas de balé. O piano da professora acompanhava-a até em casa na sua voz doce de criança, rodopiava com destreza os pés pequeninos pelo corredor... Só notou que havia alguém no caminho quando já estava perto demais.

O cheiro apertava forte seus braços pequenos, rapidamente a náusea do odor se tornava gosto. Foi tudo muito rápido para a pequena compreender que aquelas mãos em seus braços eram erradas, que os lábios grandes e adultos eram errados e que a terra grudada em seu rosto da planta destroçada era tão errada quanto a saliva de conhaque.

Lembra de ter tomado o banho mais longo de sua vida naquele dia, imaginou-se uma escrava e pôs-se a lavar os azulejos do banheiro enquanto a água escorria. A estória encantada mantinha-a embaixo da água sem porquês ou vírgulas.

Lembra de ter ficado com medo de ir ao balé nas outras semanas, o medo logo tomou outra roupagem quando o homem foi encontrado morto em seu apartamento apenas um mês depois. Temeu Deus, como todas as crianças quando seus medos são derrotados ou falecem.
A água dançava há vários minutos, o faz de conta já não era necessário para manter-se na ducha. A terra da planta destruída escorria sobre suas pernas e já manchara suas unhas rosas de mulher, rosas de menina, rosas de balé.

(Ilustrações: Pinterest)


6 comentários :

  1. Sempre me dói um pouco ler coisas assim, acho porque virei mamãe...
    Grande abraço, seu blog é lindo!

    http://umamamaeemapuros.blogspot.com.br/

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  2. Nooooossa, que tenso :O
    Adorei seu blog, uma fofura =D

    Eu tenho uma ótima notícia: Está tendo promoção lá no MMSPARADISE.
    Corre e participa!
    Beijocas,
    Http://mmsparadise.com

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  3. Gente que talento! Fiquei com vontade deler mais e mais!

    isabelefarias.blogspot.com.br

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  4. Nossa, que texto incrível!. Parabéns pelo blog diferente,autentico e bonito.
    Um xêro.
    vivendoentreaspas.blogspot.com.br

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  5. Maravilhoso!
    E que final lindo, parabéns Liz, tenho certeza que você fará muito sucesso um dia e quando escrever um livro me mande por favor! ;D

    :**

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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